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Sem-Teto vira funcionário do BB

Sem teto vira funcionário do Banco do Brasil

Por Uraniano Motta,
jornalista (*)

O título acima deveria estar nas manchetes de todos os jornais do Brasil. Aliás, pelas condições que cercam o personagem, deveria ser manchete em qualquer jornal do mundo.

Explicamos: chamar o personagem de sem-teto é não só dizer que ele dorme nas ruas, nas calçadas, todas as noites. E que passa o dia também por ali, tendo o céu por cobertura e limite.

No caso de quem falamos, é dizer também que ele não tem sequer uma escova de dentes. Que come hoje, se hoje significa de segunda a sexta-feira, e ainda assim, se esse hoje significa a hora da merenda escolar. Que vive, maneira de dizer, pois ele anda, defeca e fala, que “vive” com renda de 60 reais por mês, ou, fortuna das fortunas, 150 reais, se estivermos naquele período em que todos somos solidários, cristãos e sensíveis, nos dezembros de cada ano. Que dorme nas ruas não bem por, digamos, opção existencial, política ou filosófica. E que disso temos certeza, porque em noite de chuva e frio, na última quarta-feira, com as pernas encolhidas, perguntou: “você acha que eu não queria estar numa cama agora?”.

No entanto, com esse currículo resumido, que o levaria para o crime, digo, até, se o comparamos aos exemplos da elite bem nutrida, que daria a seus crimes pequenos e miseráveis a mais absoluta legitimidade, no entanto, acreditem. Esse personagem acaba de passar no último concurso do Banco do Brasil. Para ser mais preciso, na seleção externa 2007/002, com o número de inscrição 10.279.392, entre 19 mil candidatos, ele obteve a 136ª. classificação.

Mas como isso é possível? Como é que jovens de classe média tentam passar nesse difícil concurso, não conseguem, e um… um sei lá, vai e passa?  Esse cara existe mesmo?

O leitor já notou que até aqui não mencionei o nome do personagem. Simples a razão. Ele é um dos invisíveis do Brasil. Ele é uma daquelas … pessoas (?) que dormem ao relento, à margem, semelhante em seu invisível aos trabalhadores braçais de uniforme, de quem não sabemos nem queremos saber o nome.

Nós, que somos pessoas, como em uma nova casta retiramos a humanidade de quem não está em nossa classe. Nós, que comemos, habitamos, vestimos, estudamos; nós, os cidadãos – e ninguém mais será cidadão do que nós – somos o mundo.

Os outros, quando aparecem, vêm apenas como uma ameaça, de assalto, como ratos. Pois bem. Não fosse a sensibilidade, o faro do repórter Fred Figueiroa, do Diário de Pernambuco, esse personagem continuaria fora de nossa vista. Ou como ele próprio declara, o personagem: “Estou aqui nessa esquina todas as noites. Ninguém vem aqui falar comigo. Você veio para me entrevistar. Mas você já tinha sequer me visto aqui?”. Isso está na reportagem, transcrita no blog do repórter, http://fredfigueiroa2.blogspot.com .

Então chegamos ao fim, com a informação que deveria estar lá no título, desse personagem que tem 27 anos, que reside em casa nenhuma, com uma história digna de Andersen. O seu nome e a sua pessoa atendem pelo nome de Ubirajara Gomes da Silva. Ou pelo perfil que criou no Orkut, quando entra na Internet gratuita: “Maior Abandonado; com a cara do vagabundo Carlitos”.


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(*) O articulista é pernambucano. Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação do jornal La Insignia, na Espanha. Escreve também para o saite Direto da Redação, editado por brasileiros em Miami (EUA).

 

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