Valor Econômico
Fernando Travaglini, de São Paulo
O clima era de tensão entre as poucas pessoas que trabalhavam no domingo, dia 24
de janeiro, no novo prédio do Santander, às margens do rio Pinheiros, em São
Paulo. Alguns números separavam 4,3 milhões de cartões de crédito de um total
sucesso ou de uma enxurrada de reclamações. Esses números formavam a senha que
habilitaria a transferência da base de cartões do antigo Banco Real para a nova
casa, a plataforma tecnológica do banco espanhol.
Assim que a senha fosse digitada, todas as transações dos clientes do Real
passariam a ser processadas pelos computadores do Santander. Um teste inicial foi
feito pela manhã, com os 300 mil plásticos com bandeira MasterCard. Pequenos erros
foram corrigidos e, às 14h30 da véspera do aniversário da cidade de São Paulo, os
4,3 milhões de cartões com bandeira Visa mudaram de endereço.
Imediatamente após “virar a chave”, como gosta de dizer Angel Oscar Agallano,
vice-presidente do Santander, ele pergunta à sua equipe se está tudo correndo bem.
A dúvida é pertinente. O dinheiro hoje é praticamente virtual. As operações correm
nos computadores. Ninguém as vê. Como saber se tudo deu certo? Mas a resposta é
imediata: “148 operações processadas no segundo seguinte à conversão”. Sucesso!
Essa foi a maior transferência de base de dados de cartões já feita pelo Santander
em todo mundo. Foi também a maior já realizada do país. Os plásticos do Real eram
processados por uma empresa terceirizada, a Fidelity, e a migração foi feita em
tacada única. Os dados começaram a ser carregados na quinta-feira, para no domingo
acontecer a conversão final.
Além de ser bem-sucedida, a operação, que tomou sete meses, serviu também de
teste. Se havia ainda alguma dúvida de como fazer a conversão das agências, tudo
ficou sacramentado naquele dia: toda a base de clientes será migrada num único
dia.
O Real já havia feito assim com o Sudameris, quando migrou os correntistas em
operação única. O próprio Agallano já participou de processos semelhantes pelo
Santander em outros países, como Argentina e Venezuela. Mas agora os números são
bem maiores. São mil agências que atendem cerca de 4 milhões de clientes. Erros
podem significar perda de correntistas.
“Big Bang”. É assim que os executivos chamam essa operação. Será feita no terceiro
trimestre do ano. Provavelmente num fim de semana. Talvez num feriado. Dessa vez
não haverá senhas. Quando Agallano “virar a chave”, todo o processo de integração
entre dois dos maiores bancos brasileiros será colocado em xeque.
Se tudo correr como esperado, os correntistas do antigo banco holandês terão novos
números de conta corrente e agência, agora nos computadores da instituição
espanhola - os números antigos continuarão ativos e poderão ser usados por um
tempo ainda não determinado.
Mil funcionários já estão sendo treinados para o grande dia. Eles serão alocados,
um em cada agência, 15 dias antes do “big bang” e ficarão o tempo que for
necessário para auxiliar funcionários e clientes para que o processo funcione da
melhor forma possível.
Para o cliente, tudo se passará como se nada tivesse acontecido, tal como
aconteceu na migração dos cartões de crédito, em que nem mesmo os plásticos foram
trocados - serão substituídos à medida que forem vencendo. O objetivo é que o
cliente seja afetado o mínimo possível, costuma dizer Fábio Barbosa, presidente da
instituição, sempre que perguntado sobre o assunto.
A opção pelo sistema do Santander em detrimento do Real parecia óbvia, já que mais
moderno, de 2006. Agallano, argentino que trabalha no Santander desde 1986, veio
para o Brasil em 2004 com a missão de integrar a então confusa estrutura do banco
espanhol, que acabara de comprar o Banespa.
Conviviam à época seis diferentes sistemas: além do próprio Banespa e Santander,
estavam ainda intactas as estruturas do Geral do Comércio, do Noroeste, do Bozano,
Simonsen e do Meridional. Foi desenvolvida, então, uma plataforma única para toda
não só para o Brasil, como para toda América Latina, novinha em folha. “O Real
terá uma renovação tecnológica em seis meses, algo que normalmente tomaria seis
anos”, diz.
O processo difere um pouco do que vem sendo tocado também em uma outra grande
união, do Itaú com o Unibanco. No caso do maior banco privado brasileiro, as
agências estão sendo convertidas uma a uma. Foram feitos alguns testes piloto com
unidades bastante diferentes entre si para afinar erros e acertos. Agora, os
clientes já começaram a receber novos números de conta e agência.
A comparação com o Itaú Unibanco é inevitável. São duas fusões gigantescas
ocorrendo de forma simultânea. Mas a impressão é que o Santander está mais
demorado. Só impressão, diz o executivo.
Desde a compra do Santander pelo Real, em 2007, até o início do processo de fusão,
em agosto de 2008 se passou quase um ano sem que nada fosse alterado. O empecilho
foi que a administração holandesa do extinto ABN AMRO impediu que se formasse uma
administração conjunta antes de finalizado o negócio. Nem mesmo Fábio Barbosa
poderia assumir a presidência do grupo espanhol no Brasil antes de o martelo ser
batido.
Já no Itaú Unibanco, o processo teve início no dia seguinte ao anúncio, no fim de
2008, o que dá a impressão de processo mais acelerado. Ambos devem ser concluídos
até o fim deste ano.
O Santander, hoje um dos maiores bancos do mundo, se fez por meio de compras ao
redor do globo. A experiência internacional ajuda e o “big bang” será apenas a
conclusão de um trabalho longo e que deve continuar mesmo depois de virar a chave.
Por isso a cautela em definir a data da conversão. “Um dia a mais ou a menos num
processo de dois anos não muda nada. Mas se fizermos errado, o impacto negativo é
enorme”, diz.
Até por conta do impacto que a mudança tem para o cliente, toda a parte visível
aos correntistas, como os caixas eletrônicos e atendimento pelo site, tem recebido
alterações sutis, ao longo do tempo. “Todo fim de semana alteramos alguma coisa”,
diz.
Os caixas eletrônicos já estão com a cara final que terão quando tudo estiver
integrado. O site do Real também foi ganhando elementos aos poucos, para que o
cliente se acostumasse com as novas funcionalidades. O cuidado é sempre de
informar e fazer pesquisas de satisfação para avaliar como está a aceitação da
clientela.
Mas uma alteração será bem visível: a morte da marca Real. A identidade visual das
agências será alterada e o vermelho passará a ser visto com mais frequência. O
banco também dará início a uma grande campanha publicitária para enfatizar a ideia
“vamos fazer juntos”, que culminará com a substituição por completo da marca Real.
Quando for feito o “big bang”, nem todas os pontos de atendimento estarão com a
cara nova, mas o objetivo é concluir tudo neste ano.
Sai a marca, permanece a cultura. Esse pelo menos é o desejo da administração. No
início da integração, foram mapeados processos e modelos que pudessem ser usados
nos dois bancos. Em cada produto ou serviço, prevaleceu o que foi considerado mais
apropriado para a nova instituição que aos poucos emergia da fusão.
Um ponto que impressionou os antigos funcionários do Real foi o pragmatismo e a
visão de processos dos espanhóis. O Santander roda num compasso mais ágil, com
menos burocracia e menos uso de papel. Já o Real trouxe a já consolidada visão de
sustentabilidade, que luta para sobreviver dentro da nova instituição.
O primeiro ponto a ser totalmente unificado foi a diretoria, com pessoas dos dois
bancos - o próprio presidente veio do banco comprado. Depois foram as áreas
centrais, como análise de risco, recursos humanos, marketing, controladoria e
compliance. Toda o setor de grandes empresas veio em terceiro lugar.
O processo já está bastante avançado também nos caixa eletrônicos, como 97% das
operações já sendo feita nos dois bancos. O call-center começa a ser unificados em
alguns pontos, mas o atendimento ainda é separado.
Todas as ações são planejadas dentro do chamado Escritório de Coordenação,
comandado por Agallano. A área começou com doze pessoas, de diferentes áreas dos
dois bancos. Hoje, são 110, mas Agallano ressalta que os 52 mil funcionários
trabalham para que a integração ocorra.
No início, a previsão do Santander era de que os gastos somassem algo perto de R$
1 bilhão, em dois anos de trabalho. Tudo corre dentro do esperado, mas alguns
processos se mostram mais rápidos e os ganhos de sinergia apurados até agora somam
R$ 1,1 bilhão, mais do que os R$ 800 milhões previstos para esse ponto do
processo. Até 2011, são esperados ganhos acumulados de R$ 2,4 bilhões.
Concluídas essas etapas, os esforços se voltam para o “big bang”. Agallano já
definiu até como será a disposição das pessoas na sala de comando onde o processo
será conduzido. Serão dois anos condensados em um único dia. Por isso muitos
testes estão sendo feitos. Sempre calmo e demonstrando total controle sobre tudo o
que apresenta, ele brinca apenas quando é perguntado sobre o que fará quando
terminar a integração: “Estaremos prontos para comprar outro banco”, diz, entre
risos.
Fonte: Valor Econômico