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DIREITA E ESQUERDA NO BRASIL

11/04/2008
Direita x Esquerda no Brasil
Por: José Genoino*
Este artigo da continuidade à série de quatro textos sobre o tema escritos pelo deputado José Genoino. O primeiro, Direita x Esquerda hoje, foi publicado nodia 02 de abril passado.

No último domingo, a Folha de S.Paulo reproduziu um artigo do diretor de cinema e teatro americano, David Mamet, em que ele, ao contrário de muito outros, expõe de forma clara e corajosa sua guinada ideológica da esquerda para a direita. Depois de revelar sua nova compreensão de que um país não é “uma sala de aula ensinando valores, mas um mercado” e que o governo não deve interferir na sociedade, concluí que “a direita faz pregações tediosas sobre a fé, a esquerda faz pregações tediosas sobre mudanças”.

Foi mais uma demonstração de que o debate sobre o que distingue um projeto de esquerda de um de direita é fundamental para que possamos compreender as profundas mudanças que se passam no mundo e, em particular, no Brasil.

No nosso caso, sua importância também está vinculada ao futuro imediato do país. Estamos vivendo uma experiência inédita: um partido de esquerda, com uma aliança ao centro, faz um governo com prioridades sociais nítidas, melhora profundamente a vida de milhões de pessoas, promove um crescimento econômico sustentável e desloca o Brasil para uma posição de relações soberanas no mundo. E é isto que estará em jogo nas eleições de 2008.

Nesta disputa, junto com os resultados concretos das políticas sociais do governo Lula, o debate sobre o sentido estratégico das ações do governo e o nosso projeto de país é que estarão no centro da mesa. Ou dito de outra forma, se o governo Lula mudou o país e a vida das pessoas, isso aconteceu em função das suas escolhas políticas. E essas escolhas foram determinadas por uma compreensão sobre o papel do Estado e sobre as tarefas de um governo cujo objetivo é a justiça social.

O PT nasceu como um partido de esquerda e socialista. Durante seus 28 anos foram muitas as discussões em torno do caráter do socialismo petista, mas todas estavam baseadas na certeza de que o conteúdo do projeto petista é de esquerda. Essa referência é simbolizada na defesa dos interesses gerais dos trabalhadores. Mas, mais do que isso, sempre fez parte do programa do PT a tarefa de mudar o país, suas instituições econômicas, sociais e políticas visando melhorar e criar novas condições de vida para os desamparados e excluídos, tendo a democracia como elemento indispensável.

A razão de ser de um projeto de esquerda é produzir um país mais justo e uma sociedade menos desigual. Por isso, sempre defendi a idéia de que é a questão da igualdade o foco gerador das diferenças entre um projeto de direita e um de esquerda. Bobbio sintetiza este antagonismo afirmando que “de um lado, estão aqueles que consideram que os homens são mais iguais que desiguais, de outro, aqueles que consideram que são mais desiguais que iguais”.

Portanto, se o objetivo de um projeto de esquerda é reduzir as condições que tornam os homens desiguais, o pensamento de direita valoriza as diferenças entre os homens e concebe a desigualdade como um fator que impulsiona a sociedade. Para a esquerda, o Estado serve para promover a justiça social e a igualdade; para a direita, o Estado deve estimular a disputa entre os homens. Para a esquerda, o que vale é o coletivo, a comunidade; para a direita, o que conta é o indivíduo, o consumidor.

Em minha avaliação, é o posicionamento em relação a isso que marca o governo Lula. Isto é, os traços que distinguem nosso governo dos governos anteriores, principalmente do governo FHC, são os mesmos que diferenciam um programa de esquerda de um de direita.

Se a direita que havia sido derrotada com o fim da ditadura representava o estertor da guerra fria e um anticomunismo senil, as forças políticas que se agruparam em torno da eleição de FHC representavam a nova direita, que ansiava em implantar no Brasil o modelo que estava se alastrando pelo mundo capitalista e desenvolvido. O caráter neoliberal do Plano Real estava determinado pelo que ele não continha, pelo que ele não era. Como a preocupação com a estabilidade foi uma imposição, para que o Brasil fosse aceito como parceiro neste mundo neoliberal, e o fim da inflação uma necessidade monetária, o Plano Real era desprovido de qualquer intenção de se fazer justiça social. No melhor dos casos, ela aconteceria naturalmente, como obra da própria estabilidade.

Essa visão se tornou hegemônica no decorrer do governo de Fernando Henrique e produziu condições para a implantação de um processo de desestatização e transferência de renda até então nunca vistos. A nova elite da era tucana foi composta por setores nativos e internacionais que se sustentavam na ideologia das reformas neoliberais e da economia pura de mercado. A tutela aos centros de poder econômicos do mundo (FMI, Banco Mundial etc.) foi aceita em troca de ganhos financeiros que concentravam ainda mais a renda. No entanto, os resultados destes anos foram trágicos, não só do ponto de vista econômico. Ao mesmo tempo em que o Brasil ficou quatro vezes mais endividado, não se produziu nenhuma política social de vulto. O impacto social do governo FHC foi negativo em toda sua extensão.

O relatório do Fundo Monetário Internacional publicado em junho de 2005 fazia um estudo comparativo dos dados dos dois primeiros anos do governo Lula e dos oito de FHC. Interessa aqui, o que o FMI apontava como o resultado dos oito anos de governo FHC: desemprego de 12,2%, salário mínimo na média de US$ 56,50, 35% da população vivendo abaixo da linha de pobreza, uma dívida externa que chegou a 210 bilhões de dólares, risco país de 1.445 pontos. Um fracasso econômico e social!

Também na relação com a sociedade o governo FHC procurou representar os interesses neoliberais e isto significava uma política intolerante frente às demandas sociais, não permitindo greves e criminalizando o movimento sindical e social. A repressão aos petroleiros em 1995 e a atitude frente ao MST são apenas dois exemplos desta política.

A relação do Brasil com o mundo, sob o comando tucano, foi marcada, como era desejo o do mercado, por uma submissão total ao centro de poder financeiro e econômico. O governo FHC aceitou as premissas do Consenso de Washington, se colocou de forma submissa nas negociações que envolviam a ALCA e não se dispunha a ser uma presença ativa na OMC. Desprezou as articulações latino-americanas como o Mercosul e priorizou uma “parceria” servil com os EUA. O Brasil deveria se contentar em ser apenas mais um mercado de alguns milhões de consumidores. Durante o governo FHC, o mercado e a globalização viraram ideologia.

Como venho dizendo, a implantação das políticas neoliberais, no Brasil, teve uma grande resistência por parte dos movimentos sociais e o estrago social só não foi maior porque houve parcelas significativas da sociedade que, sob o comando do PT, buscavam outro caminho.

A eleição de governos de esquerda ou centro-esquerda na América Latina interrompeu a escalada neoliberal no continente, concluindo um movimento que havia se constituído como um verdadeiro contrafluxo político e ideológico. O real significado da eleição de Lula situa-se nesta dimensão, sinalizando que não aceitamos a tutela do mercado, nem a inevitabilidade de um lugar subalterno no mundo.

(*) José Genoíno é deputado federal pelo PT de São Paulo.
 

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