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HOMESCHOOLING: Projeto de educação domiciliar é considerado desastroso pela ciência

Família e escola têm papéis diferentes: uma não substitui a outra, dizem especialistas

Professores, educadores e cientistas desaprovam o projeto de lei 3179/12 que permite o ensino domiciliar no Brasil. A matéria aprovada na semana passada pela Câmara dos Deputados agora tramita no Senado Federal. O chamado “homeschooling” permite que crianças receba formação escolar em casa, sem necessidade de frequentar escolas regulares.

“A escola tem seu papel: desenvolvimento de aprendizagens de saberes, de procedimentos, de atitudes. A família não consegue, no mundo atual, substituí-la”, afirma a professora Marta Feijó Barroso, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora do Comissão de Educação Básica da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), avalia que o tema precisa de amplo debate e não deve tratar a matéria como urgente. O projeto ainda precisa ser apreciado pela Comissão de Educação da Casa, presidida pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI), antes de ir a plenário. Mas a ciência classifica a matéria como desastrosa.

“O ensino domiciliar quebra possibilidades de crianças e adolescentes terem direito a proteção contra a violência”, afirma Marta.

Segundo ela, o direito a um processo educacional que conduza o indivíduo a uma vida plena passa pelo ambiente escolar. Fora desse ambiente, ela explica, fica comprometida a compreensão de que uma das características do processo educativo é a socialização. “Ou seja, a construção de uma maneira de viver em sociedade e lidar com seus conflitos e com suas dificuldades”, diz a professora em entrevista ao Jornal da Ciência.

Escola essencial
A SBPC enviou uma carta ao Congresso assinada por mais de 50 entidades.

“A educação tem algo que é praticado há milhares de anos: a escola. E apesar de possuir falhas e insuficiências, a escola é a melhor forma de você socializar uma pessoa. Educar não é simplesmente abarrotar a cabeça de uma pessoa com conteúdos. Educar é ensinar uma pessoa a sair de casa, a se relacionar com quem não é do seu mundo restrito e pequeno. Pela educação, você tem que aprender a lidar com adultos que não são seus pais, e isso acontece com os professores e demais funcionários das escolas. E também a lidar com crianças que não são suas irmãs, que são os colegas de classe”, argumenta o presidente da SBPC, o ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro.

Os avanços da tecnologia e a habitualidade com os meios digitais são argumentos para a aprovação do ensino domiciliar. Contudo, a pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) Roseli de Deus Lopes ressalta que nada substitui o convívio no ambiente escolar.

“Quando a gente fala em educação de qualidade para todos a gente pensa na educação dessas crianças e jovens e como podemos trabalhar a formação de professores. Existe muito cuidado em soluções que envolvem tecnologias. Porque elas são necessárias, mas não substituem as atividades presenciais e todas as ações de atenção que são necessárias, principalmente com crianças menores”, argumenta.

Tecnologia e discriminação
“A gente pode, sim, ter complementos com tecnologias, então a gente precisa investir nessa área também, inclusive dando conectividade para que professores e alunos desenvolvam atividades dentro e fora das escolas”, completa Roseli. Além disso, existe o impacto da falta de acesso a essas tecnologias por famílias de baixa renda.

Outro ponto que o ensino domiciliar pode acarretar é o aumento das desigualdades com a discriminação dos mais pobres, além do avanço do negacionismo, ao retirar o protagonismo da ciência da educação.

“A falta de investimento na educação contribuiu para o sucateamento das escolas e da carreira docente, impactando a qualidade do ensino. Isso não será superado com a proposta de educação domiciliar, uma vez que a política econômica de austeridade fiscal e a ausência de coordenação federal inviabilizaram a execução do Plano Nacional de Educação”, afirma.

Ela comenta que o projeto descriminaliza famílias que não matriculam seus filhos na escola. Entre os mais pobres, isso pode significar uma evasão escolar sem precedentes.

Marta ressalta que o caminho deve ser de investimento do Estado em educação, e não o contrário. “Ministério da Educação precisa garantir o regime de colaboração entre os governos federal, estaduais e municipais para um adequado financiamento da educação e para promoção de ações que transformem a educação num assunto a ser discutido por todos, na comunidade no entorno da escola, no município, no estado. Isso poderia proporcionar a construção coletiva de um projeto educacional solidário, equitativo, que respeite os direitos das crianças e adolescentes”, argumenta.

fonte RBA

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