também publicado no blog 'Saber é pouco': www.duzaom.zip.net .
Aspectos econômicos do Bolsa Família
Paulo Eduardo Malerba
Farei neste breve texto uma reflexão, sob o aspecto econômico, de um dos principais programas do governo federal: o bolsa família. A despeito das críticas de alguns setores, este programa tornou-se um instrumento importante para transferência de renda e para a construção de uma proteção social capaz de aliviar a situação de necessidade extrema de milhões de brasileiros. Não existe qualquer privilégio quando se retiram pessoas em sérias dificuldades de manutenção e lhe proporcionam o mínimo de condições materiais para sua vida. Veremos que privilégios existem em outros gastos governamentais. Este texto baseia-se em algumas fontes dados, como o Banco Central e as pesquisas do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Um primeiro aspecto importante é que o bolsa família é um programa barato. Portanto, o argumento de que a carga tributária no Brasil é alta porque os brasileiros que trabalham pagam o Bolsa Família e outros programas sociais não passam numa análise superficial dos gastos do Estado brasileiro e os reais interesses de determinados grupos econômicos e políticos. Senão, vejamos: no ano de 2008 o programa bolsa família consumiu aproximadamente R$ 11 bilhões de reais, que embora pareça um alto valor em termos brutos representa apenas 0,38% do PIB brasileiro. No outro lado da conta das despesas da União temos os gastos com pagamento de juros da dívida que consomem cerca de R$ 162 bilhões de reais, recursos destinados principalmente para bancos privados e outros investidores. Isto representa aproximadamente 6% do PIB nacional.
Estes recursos pagos a título de juros da dívida representam o reforço da concentração de renda e da desigualdade social no Brasil, pois quem o recebe são, em sua maior parte, grandes especuladores financeiros, que vivem do pagamento de juros da dívida do país. O Brasil gastou nos últimos anos com juros da dívida, paga a cerca de 20 mil famílias mais ricas, que compõe 70% dos credores, mais do que a com a educação, saúde e investimentos juntos[1]. Isto mostra lamentavelmente que o compromisso com os credores e com a ‘estabilidade’ é maior que o compromisso com os investimentos sociais e com toda a sociedade. Os juros altos do país, acima da inflação, favorecem que os detentores destes títulos da dívida permaneçam neste ciclo de especulação. O auge da especulação foi em 1997, no governo Fernando Henrique, quando a taxa SELIC, base para cálculo da dívida, chegou a inimagináveis 45% ao ano. Esta taxa elevou a dívida total líquida do Governo, que em 1995 era de 12,5% para 32,1% do PIB em 2002, ano em que FHC deixou o Planalto Central[2]. A título de memória vale lembrar que por ocasião das privatizações, entre as quais a Vale e as empresas de telecomunicações, o discurso oficial era pagar e reduzir a dívida. O que percebemos foi uma progressão enorme do endividamento. Hoje, Julho de 2009, a taxa SELIC vigente é de 8,75% a.a e o endividamento de 28,9% do PIB.
Com isto, observar-se o Bolsa Família não onera significativamente as contas do governo, ao contrário, são os recursos destinados aos credores da dívida que reaplicados em papéis e continuam a propagar a financeirização da economia e a concentração de renda. Além de incentivos e subsídios governamentais a grandes latifundiários, empresas e bancos, garantidos com recursos público, sem que estes sejam questionados por muitos críticos do Bolsa Família. Ademais, os impostos no Brasil, por serem essencialmente indiretos, prejudicam os mais pobres, que consomem somente itens básicos como alimentos, roupas e transportes, ou seja, os que possuem maior tributação. Enquanto no topo da pirâmide, proporcionalmente, se paga menos impostos. Precisamos de uma reforma tributária justa e que seja progressiva.
Em termos práticos, o dinheiro injetado pelo programa Bolsa família proporciona condições de movimentar as economias locais, aumentando o consumo, incentivando empreendimentos e a geração de novos empregos e renda. Tem-se mostrado um programa fundamental na consolidação de mercados consumidores em diversas regiões do país e, consequentemente, de um mercado interno mais consistente no país. Colabora na modernização de cidades e das relações trabalhistas em muitas regiões. Sabemos que muitas localidades não possuem capacidade econômica suficiente para movimentar sua economia, sendo necessária a participação estatal direta. O processo brasileiro de desenvolvimento econômico levado a cabo durante séculos, especialmente durante o processo de industrialização do século XX, onde preponderou a desigualdade regional e a concentração de riquezas, não será revertida em pouco tempo e com facilidade.
Permanece a necessidade de investir em áreas fundamentais, como educação, saúde, saneamento, transportes, capazes de melhorar efetivamente as condições de vida da população mais pobre. Uma coisa não exclui a outra. O Bolsa família, obviamente, não resolve todos os problemas da desigualdade do Brasil, não é esta sua intenção, mas seus objetivos econômicos tem sido cumpridos e dão mostras de sua importância para o Brasil.
Com o Bolsa Família garante-se que os brasileiros não serão deixados em pobreza extrema, pois o país tem sido capaz de democratizar sua renda, embora que de forma ainda muito restrita. Permite-se aos cidadãos nesta situação acesso a uma pequena parte do ‘todo social’. Enquanto o processo de marginalização resultante do atual modelo de economia de mercado avança, precisamos criar mecanismos de acolher os excluídos e minimizar este processo. O caminho para enfrentar a pobreza crônica de muitas regiões é direcionar os recursos públicos para fins públicos, isto é, voltados para amplos setores da sociedade, capazes de produzir resultados eficientes e justos.
[1] POCHMANN, M. (Org.) ; CAMPOS, A. (Org.) ; AMORIM, Ricardo (Org.) ; SILVA, Ronnie (Org.) . Atlas da Exclusão Social: Os Ricos no Brasil. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2004. v. 3. Dados sobre os gastos com juros, saúde, educação e investimento foram publicados no Comunicado da Presidência n° 14 do IPEA, em 12/11/2008.
[2] Dados disponibilizados pelo Banco Central do Brasil, disponíveis em www.bcb.gov.br.